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Quatro em cada 10 vítimas de violência sexual atendidas na Unicamp são adolescentes, diz estudo

Para 66% das meninas de até 17 anos que passaram pelo Caism, estupro foi primeira experiência sexual. Psiquiatras analisaram 1,1 mil prontuários do hospital ...

Quatro em cada 10 vítimas de violência sexual atendidas na Unicamp são adolescentes, diz estudo
Quatro em cada 10 vítimas de violência sexual atendidas na Unicamp são adolescentes, diz estudo (Foto: Reprodução)

Para 66% das meninas de até 17 anos que passaram pelo Caism, estupro foi primeira experiência sexual. Psiquiatras analisaram 1,1 mil prontuários do hospital entre 2011 e 2018. Triagem no Ambulatório de Atendimento Especial do Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti da Unicamp Antonio Scarpinetti/Lúcio Camargo/Unicamp Cerca de 40% dos 1.133 prontuários de vítimas de violência sexual atendidas no Hospital da Mulher da Unicamp (Caism), em Campinas (SP), entre 2011 e 2018, representavam meninas de até 17 anos. Dessas, 66% relataram não ter experiências sexuais anteriores ao estupro. 🔔 Receba as notícias do g1 Campinas no WhatsApp Isso significa que, para quase sete em cada 10 adolescentes atendidas pelo serviço de saúde no período, o abuso sofrido foi o primeiro contato com o sexo – o que pode trazer consequências para o resto da vida, conforme ressalta a psiquiatra Maria Teresa Ferreira Côrtes. "A iniciação sexual é um marco muito importante da sexualidade como um todo, mas tem um papel importante na formação da sexualidade, e uma iniciação por meio de uma violência pode se correlacionar com uma série de impactos de saúde mental, uma série de impactos de saúde física e sexual ao longo de uma vida toda", explica. O levantamento faz parte da pesquisa de mestrado de Côrtes, orientada pela professora Renata Cruz Soares de Azevedo. Com base no estudo, o g1 publica nesta semana três reportagens sobre as características sociodemográficas e psicológicas da violência sexual, além do impacto das redes sociais para as vítimas adolescentes. 🔴 Os dados revelaram, por exemplo, que: 74,6% das mulheres e meninas que passaram por atendimento em saúde mental relataram sintomas psiquiátricos após a violência. Para 37,6% dessas pacientes, os abusos sexuais foram seguidos por sentimentos de vergonha e culpa. Além disso, as pesquisadoras destacaram o crescimento de estupros facilitados pela tecnologia, considerados três vezes mais comuns entre adolescentes. Jovens, brancas, solteiras e sem filhos De forma geral, a maioria das pacientes atendidas na unidade de saúde eram mulheres jovens, de até 26 anos, brancas, solteiras e sem filhos. O fato de cerca de 66% das pacientes serem brancas não reflete, necessariamente, a realidade da cidade, conforme ressalta Côrtes. "Esse é um número superior aos dados que a gente encontra na média do Brasil. É superior mesmo à cidade de Campinas, que tem uma concentração maior de pessoas brancas. […] Nada leva a gente pensar que mulheres brancas sofram mais violência do que mulheres pretas e pardas, mas elas não estão chegando para o nosso serviço. Pelo contrário, a gente na verdade imagina que elas [pretas e pardas] possivelmente sofrem mais violência, mas elas não estão chegando para atendimento no nosso serviço. Nossa grande pergunta é onde é que estão essas mulheres?”, questiona. Em relação às características da violência sexual sofrida, 20,4% das mulheres atendidas no período relataram ter sofrido abusos em momentos anteriores da vida. A maior parte dos casos – ou 94,6% – foram classificados como violências agudas, ou seja, episódios únicos e abruptos. Os dados também revelam que os agressores únicos são maioria (86,1%). Além disso, 58,9% dos agressores eram desconhecidos, contra 41,1% conhecidos. Considerando exclusivamente aqueles que já conheciam as vítimas, 63,3% faziam parte do núcleo familiar. Outro ponto levantado pelas pesquisadoras é o prazo decorrido entre o estupro e a busca pelo serviço de emergência. Em 64,1% dos casos, ele foi menor que 24 horas, mas a demora das adolescentes para pedir ajuda preocupa. Isso porque, quanto mais cedo a vítima buscar ajuda médica, maior a possibilidade de realização de profilaxias para gestação e infecções sexualmente transmissíveis. No caso das meninas de até 17 anos, 21,9% levaram mais de cinco dias para ir à unidade de saúde. "Chegar nas primeiras 24 horas diminui imensamente a chance de uma virada para testagem para HIV, para hepatite, ou para gestação decorrente de violência. Felizmente, a maior parte dos pacientes chega a tempo, mas tem uma taxa considerável que chega depois de cinco dias, e a gente não pode fazer mais nada", afirma a orientadora Renata Azevedo. Caism é referência para cidades da região de Campinas Reprodução / EPTV População vulnerável Para Ana Paula Crivelaro Ferreira, responsável pelo setor de Vigilância de Agravos e Doenças Não Transmissíveis do Departamento de Vigilância em Saúde (Devisa) de Campinas, os números levantados pelas pesquisadoras diferem pouco de levantamentos municipais. Entre 2013 e 2023, o Sistema de Notificação de Violências (Sisnov), que integra dados da saúde, assistência social e educação, revelou aumento de 37% nas notificações de violência sexual contra vítimas do sexo feminino. LEIA MAIS: Casos de violência contra crianças, mulheres e idosos atingem maior nº da série histórica em Campinas Quando o assunto é a faixa etária das vítimas de abuso, a alta registrada no período foi de 121,9% entre 0 e 9 anos; 86,48% entre 10 e 19 anos; 243,47% entre 20 e 59 anos; e 200% entre vítimas de 60 anos e mais (veja no gráfico abaixo). "Nesses anos todos, o principal ciclo de vida, se a gente pensar em faixa etária das vítimas de violência sexual, foi de 10 a 19 anos. Em 2023 teve uma mudança, acabou sendo de 0 a 9, infelizmente, que ficou muito, muito próximo de 10 a 19. Então, afetando nossa população ainda mais vulnerável, que são as crianças e as adolescentes", detalha Ferreira. Quem são os autores? Outro dado levantado pela prefeitura revelou quem são os autores de violência sexual na metrópole. Em 2023, por exemplo, 22,3% dos estupros foram cometidos por conhecidos; 21,9% pelo pai ou padrasto da vítima; e 20,6% por desconhecidos. Dez anos antes, em 2003, desconhecidos foram responsáveis por 28,3% das violências sexuais registradas na metrópole; pais e padrastos, por 27,3%; e conhecidos, por 24,2% (veja o detalhamento no gráfico abaixo). "Durante os anos, se a gente olhar um acumulado de 2013 a 2023, a maioria foi o desconhecido, mas a gente começou a ter uma mudança no ano de 2022 – não sei se pode ser de uma melhora de preenchimento ou até de reconhecimento da violência. Temos o autor como um conhecido, alguém que ou ela pode ter conhecido nas redes sociais ou então próximo do seu convívio familiar", diz Ferreira. O Segundo a responsável pelo setor de Vigilância de Agravos e Doenças Não Transmissíveis do Devisa, a violência tem se tornado “cada vez mais próxima do nosso cotidiano” – e essa realidade é refletida nos números apresentados anualmente pelo Sisnov. "Já tem um tempo que as secretarias de Saúde, Assistência, Educação e Segurança estão se juntando, principalmente com as equipes que trabalham a questão de violência, justamente para realizarem capacitações com os profissionais em relação ao cuidado dessas vítimas para que ele não seja individualizado", explica. O objetivo é que o atendimento às vítimas não se restrinja à saúde e inclua uma abordagem multidisciplinar. “Porque a violência tem múltiplos fatores. Infelizmente, não adianta a gente dar um remédio. Precisamos cuidar de tudo que acaba envolvendo”. “Neste ano, estamos num trabalho muito forte de sensibilizar os educadores, os profissionais da educação infantil, para que a gente consiga identificar nas escolas o quanto antes quadros de violência e que possa ser feito um trabalho em conjunto entre essas secretarias”, afirma Ferreira. Violência e abuso sexual infantil: veja os sinais e saiba como proteger as crianças Como buscar ajuda? As vítimas de violência sexual podem buscar o pronto atendimento do Caism na Rua Alexander Fleming, 101, Cidade Universitária Zeferino Vaz, no distrito de Barão Geraldo, em Campinas. O serviço funciona 24 horas por dia, sem necessidade de encaminhamento médico ou registro policial. VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região Veja mais notícias sobre a região no g1 Campinas