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Da culpa à insônia: psiquiatras da Unicamp revelam sintomas mais relatados por vítimas de violência sexual

Pesquisadoras analisaram 1,1 mil prontuários do Caism entre 2011 e 2018. Pacientes apresentaram relatos de medo, sintomas depressivos, alterações de apetite ...

Da culpa à insônia: psiquiatras da Unicamp revelam sintomas mais relatados por vítimas de violência sexual
Da culpa à insônia: psiquiatras da Unicamp revelam sintomas mais relatados por vítimas de violência sexual (Foto: Reprodução)

Pesquisadoras analisaram 1,1 mil prontuários do Caism entre 2011 e 2018. Pacientes apresentaram relatos de medo, sintomas depressivos, alterações de apetite e ideação suicida. Psiquiatras da Unicamp revelam principais sentimentos de vítimas de violência sexual Marcelo Camargo/Agência Brasil De alterações no sono a sintomas depressivos, as vítimas de violência sexual atendidas no Hospital da Mulher da Unicamp (Caism), em Campinas (SP), carregam marcas psicológicas do abuso que podem perdurar por meses, anos ou a vida inteira. 🔔 Receba as notícias do g1 Campinas no WhatsApp Dos 1.133 prontuários analisados por duas médicas psiquiatras entre 2011 e 2018, 741 mulheres e meninas passaram pelo atendimento especializado em saúde mental. Dessas, 553 – ou 74,6% – relataram sintomas psiquiátricos após a violência. “Mais ou menos nove em cada 10 mulheres vão apresentar algum sintoma em alguma esfera. Desde os sintomas relacionados a alterações de sono, com insônia, pesadelo, ou um aumento muito importante da necessidade de sono, até alterações de apetite”, detalha a psiquiatra Maria Teresa Côrtes. Com base na pesquisa de mestrado de Côrtes, orientada pela professora Renata Cruz Soares de Azevedo, o g1 publica nesta semana três reportagens sobre as características sociodemográficas e psicológicas da violência sexual, além do impacto das redes sociais para as vítimas adolescentes. O estudo analisou 1.133 prontuários de mulheres vítimas de violência sexual atendidas pelo serviço de saúde no período entre 2011 e 2018. Os dados mostraram, por exemplo, que quatro em cada 10 pacientes tinham até 17 anos, e 20% das vítimas relataram ter sofrido abuso anteriormente. Ansiedade e pensamentos de morte Os prontuários revelam que o medo foi relatado pelo menos 329 vezes entre as pacientes, seja ele de engravidar, ser diagnosticada com uma infecção sexualmente transmissível (IST) ou sofrer uma repetição da violência. “Encontramos níveis bastante altos de sintomas ansiosos e depressivos, mais ou menos 50% de cada um deles. Uma taxa alta de pensamentos de morte, que gira em torno de mais ou menos 20%. E, além disso, também encontramos taxas bastante altas de culpa e de vergonha, em torno de 40%”, diz Côrtes. A pesquisadora destaca que uma parcela das pacientes evolui para quadros considerados mais graves, como transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e episódios depressivos. Ainda assim, “boa parte” das mulheres atendidas no ambulatório apresenta melhora com o passar do tempo. LEIA TAMBÉM: Da pílula do dia seguinte ao aborto: veja como é o atendimento às vítimas de estupro em Campinas Em quatro anos, hospital da Unicamp faz 169 abortos legais em vítimas de estupro com idades de 10 a 43 Campinas registra 660 partos em meninas entre 10 e 14 anos na década No Caism, as vítimas de violência sexual passam por acompanhamento psicológico durante seis meses. Segundo a professora Renata Azevedo, isso torna necessária uma articulação com a rede de saúde para que as pacientes no fim do tratamento continuem sendo atendidas em outras unidades. "Não atendemos mulheres que sofreram violência sexual em algum momento, mas sim mulheres que acabaram de sofrer a violência sexual. É um quadro agudo, bem acompanhado, que tem resultados muito melhores do que a gente vê na literatura. Nossos dados de tentativa de suicídio e de estresse pós-traumático são muito inferiores ao que a gente olha na literatura", pontua Azevedo. Hospital da Mulher da Unicamp (Caism) Reprodução/EPTV 'Uma vida antes e uma vida depois' Vítima de estupro, Rafaela*, de 38 anos, foi diagnosticada com TEPT e passa por consultas semanais com o psiquiatra do Centro de Saúde, além de consultas mensais com a equipe de saúde mental do Caism. Para conseguir manter a rotina, ela precisa tomar seis medicamentos por dia. "Eu acho que algum carro vai me atropelar, que alguma coisa vai acontecer com meu filho, que eu tô correndo um risco. O medo é o sentimento mais difícil que a gente pode lidar porque é incerteza, né? O medo faz a gente pensar que tudo de ruim vai acontecer. É o medo que te impede de fazer outras coisas, é o medo que faz eu não ter contato com as pessoas", relata. Em julho de 2023, Rafaela falou pela primeira vez em uma entrevista exclusiva ao g1 após acusar um policial civil de estupro dentro de uma cadeia em Paulínia (SP). À época, ela relatou viver em apreensão, tentando superar a violação com o apoio da família e de profissionais de saúde mental. Mais de um ano após denunciar o caso, ela ainda sente os reflexos do abuso nas atividades cotidianas. Os sentimentos são intensificados por uma sensação de impunidade, definida pela vítima como “um novo sofrimento”, já que o suspeito responde às acusações em liberdade. "A gente quer ir para outra vida e, como a gente não consegue, tem que mudar a aparência. Mas nada disso faz a gente se empolgar, nada disso faz a gente voltar ao que era. É como se existisse uma vida antes e uma vida depois", lamenta. Apesar do trauma, Rafaela garante que é possível seguir em frente após a violência. “Por mais difícil que pareça ser, tem uma vida. Depois de tudo que a gente passou, é uma nova vida. Mas com o apoio da família, a sua religião, apoio dos médicos, você consegue ter outra vida”, diz. Violência contra mulher: como pedir ajuda Importância da denúncia Advogada que representa Rafaela no caso, Thaís Cremasco afirma que, para muitas mulheres, o processo de cura após um episódio de violência sexual está profundamente ligado à denúncia e punição do agressor. "Muitas vezes, essas mulheres só conseguem se curar de toda essa violência através do processo de denúncia. O processo em si, a punição do agente, tudo isso é uma forma dessa mulher sarar e se curar. O processo também é uma forma de trazer um acalento para as violências psicológicas, os traumas que elas desenvolvem após uma violência", destaca. Ainda de acordo com a advogada, é importante que vítimas de abuso se sintam ouvidas e acolhidas. “A mulher sente um alívio de perceber que ela vai ter uma rede de apoio, alguém que acredite nela. Independente do resultado do processo, o fato da mulher denunciar e não ter se calado perante a violência já é uma vitória”. "É muito comum nos casos de violência a palavra da vítima ser questionada. Mas você bebeu? Você estava numa festa? Você estava num baile funk? Você já tinha ficado com ele? Você tinha um relacionamento com ele? Você saiu com ele, né? Você, em algum momento, consentiu? Porque a nossa sociedade ainda não está preparada pra entender que, a partir do momento que não tem mais o consentimento, aquilo é estupro", frisa Cremasco. Como buscar ajuda? As vítimas de violência sexual podem buscar o pronto atendimento do Caism na Rua Alexander Fleming, 101, Cidade Universitária Zeferino Vaz, no distrito de Barão Geraldo, em Campinas. O serviço funciona 24 horas por dia, sem necessidade de encaminhamento médico ou registro policial. Quem estiver enfrentando questões de saúde mental também pode entrar em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), que conta com voluntários treinados para conversar com pessoas que buscam ajuda e apoio emocional, atuando na prevenção do suicídio. Os atendimentos podem ser feitos por: Telefone 188, gratuitamente, 24 horas por dia Chat, todos os dias da semana, em horários definidos E-mail apoioemocional@cvv.org.br ou preenchendo o formulário no site Pessoalmente em 97 postos de atendimento, distribuídos em 20 estados e no Distrito Federal *O nome foi trocado para preservar a identidade da vítima. VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região Veja mais notícias sobre a região no g1 Campinas