Bombeiro brasileiro vai ao Senegal e funda projeto que acolhe meninos em situação de rua
Conheça o projeto social Chemin du Futur, do Senegal Atender chamados fazia parte da rotina de Edmilson dos Santos Neto, de 61 anos. Como tenente da Polícia M...
Conheça o projeto social Chemin du Futur, do Senegal Atender chamados fazia parte da rotina de Edmilson dos Santos Neto, de 61 anos. Como tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e integrante do Corpo de Bombeiros, estava acostumado a ser chamado para emergências. Uma, em específico, mudou a vida do militar. Era 2011. Edmilson foi convidado para fazer a segurança de um pesquisador no Senegal. A princípio, um trabalho sem caráter de urgência. Mas, ao chegar ao país africano, deparou-se com uma situação que soou como um chamado emergencial dentro de si. Precisava fazer algo pelas crianças e adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade no Senegal. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Vale do Paraíba e região no WhatsApp Edmilson Neto com crianças do projeto no Senegal Arquivo pessoal/Edmilson Neto Milhares de crianças vivem em condições de extrema vulnerabilidade nas ruas do país (entenda mais a situação no fim da reportagem). A realidade mexeu com Edmilson, que resolveu agir. Vendeu a casa que tinha em Jacareí, no interior de São Paulo, e se mudou para o Senegal para dar criar um projeto que até hoje acolhe meninos em situação de rua. “Quando eu vi essa realidade, fiquei tocado. Falei assim: ‘eu preciso fazer alguma coisa aqui’”, contou em entrevista ao g1. “Às vezes, as pessoas não entendem. Por que você está ajudando no Senegal? Eu estou ajudando porque eu me vi diante da situação. Quase sempre a situação de ajuda humanitária, ou mesmo de voluntariado, tem a ver com a mobilização interior que a pessoa tem com aquela causa, com aquela situação. Foi o meu caso”, acrescentou. Trabalho voluntário: saiba o que é, como fazer e quais os benefícios O Chemin du Futur, projeto criado por Edmilson, acolhe há 13 anos meninos no Senegal. As crianças e os adolescentes recebem moradia, alimentação, atendimento médico, educação e incentivo às atividades psicossociais e profissionais. Edmilson Neto com crianças do projeto no Senegal Arquivo pessoal/Edmilson Neto Nesta sexta-feira (5), Dia Internacional do Voluntário, Edmilson diz que o projeto social trouxe benefícios não apenas para as crianças acolhidas. “Acho que o maior benefício individual é o saneamento das nossas questões internas, o crescimento da alma. O bem, quando sai da gente, ele já fez o bem na gente e atinge o outro com o mesmo bem”, comentou. "A alma vira alma à medida que ela vira consciência. Quanto mais consciente eu sou, mais alma eu tenho, mais humano eu sou", disse Edmilson. Troca da farda pelo trabalho no Senegal Edmilson diz que, como bombeiro, já era "agência humanitária ambulante". Além disso, também era envolvido em outros trabalhos sociais no Brasil. Porém, o chamado de Senegal veio forte no coração. E ele deixou a farda para se dedicar ao acolhimento dos meninos em situação de vulnerabilidade no Senegal. Edmilson Neto, com a farda cinza, com a equipe do Corpo de Bombeiros Arquivo pessoal/Edmilson Neto Em junho de 2012, após vender a própria casa em Jacareí–SP, ele se mudou para o Senegal e ficou morando no país africano por um ano. Durante esse período, estruturou o projeto. Encontrou uma casa, arrumou toda a documentação para fazer este tipo de trabalho no país e começou acolher meninos em situação de rua. "Criei uma casa que acolhe a criança dos seis aos 12 anos. Nessa faixa, a gente busca a criança na rua e leva a criança até os 18. Eu levo até os 18 e corro para que ele se profissionalize. Quando ele termina o ensino médio, a gente já coloca ele em um curso profissionalizante", contou. Para estruturar o projeto, Edmilson buscou fazer amizades no Senegal e contou com apoio de Mark Séraphin Diompy, um universitário que falava português e topou ajudá-lo. Os desafios iniciais foram grandes. "Eu era um brasileiro que morava no Brasil e tinha um projeto social no Senegal. Na época, tinha 25, 27 crianças dentro da casa, entre órfãos e vulneráveis. Nem todos são órfãos, mas alguns eram. No primeiro ano, fiz dois parceiros no Brasil: o SPC e o Serasa (risos). Eu não tinha essa experiência de social. Eu era um bombeiro, tinha minha vida ali e, de repente, me vi precisando fazer gente saber disso. Foi muito difícil, o começo foi muito difícil", recordou. Crianças e adolescentes do projeto Chemin du Futur Arquivo pessoal/Edmilson Neto Após quatro anos, uma organização que era a principal mantenedora do Chemin, encerrou as atividades como agência humanitária. Edmilson seguiu com o projeto e passou a ser apoiado por organizações humanitárias brasileiras, como a Fraternidade Sem Fronteiras e a Fundação Francisco e Clara de Assis, e de outros países, como a Fundação Tiberíades (França). Esses apoios ajudaram a estruturar e manter o trabalho. Atualmente, Edmilson alterna entre o Brasil e o Senegal. Ele tem residência em Paraibuna, no interior de São Paulo, mas passa alguns períodos no país africano. Quando conversou com o g1, estava no Senegal. "Eu diria que você que quer ser voluntário, se lance. É uma experiência de um crescimento cultural muito grande, de uma transformação emocional. Você tem contato com emoções que raramente vai ter. Eu me tornei um homem muito melhor, uma pessoa com um olhar. Tem muita cura de alma por meio do voluntariado", comentou. Como funciona o projeto O projeto fica localizado em Mbour, uma cidade que fica a 80 quilômetros da capital Dakar. Tem assistentes sociais que convidam meninos em situação de rua para a casa de acolhimento. São acolhidas crianças a partir de seis anos. Adolescentes do projeto Chemin du Futur Divulgação/Chemin du Futur O projeto acolhe 21 meninos atualmente, além de três jovens que seguem sendo apoiados, mas saíram da residência para cursar a universidade. A casa do projeto tem capacidade para acolher até 70 crianças e adolescentes. Atualmente, realizam uma campanha para conseguir mobiliar esse novo lar, construído recentemente. Além das crianças que vivem na casa, o projeto oferece café da manhã todos os dias para 80 meninos que vivem nas ruas. O Chemin du Futur oferece moradia, acompanhamento médico, alimentação (quatro refeições por dia), atividades esportivas, matrícula em escolas públicas senegalesas, reforço escolar, aulas de inglês, além de atividades psicossociais e profissionalizantes. Durante o ano, voluntários brasileiros visitam o projeto para conhecê-lo e ajudar em diversas atividades. "Meu sonho é resgatar o maior número de senegaleses possível. Colocamos três meninos na universidade. A gente está muito orgulhoso disso. Sabemos que o Senegal só tem a ganhar com crianças que deixam de ser analfabetos", destacou Edmilson. Crianças fazem atividades no projeto Chemin du Futur, no Senegal Arquivo pessoal/Edmilson Neto "Que essas crianças invadam a sociedade senegalesa e possam multiplicar esse acolhimento, o entendimento de como as coisas poderiam ser do ponto de vista político, que não é a nossa praia. O meu sonho é ampliar e fazer isso funcionar com dignidade, fazer isso acontecer com o mínimo de dignidade possível", acrescentou. Fenômeno Talibé As crianças acolhidas pelo projeto são conhecidas como Talibés. O nome significa “aluno que aprende o ensino corânico”. Os pais deixam esses meninos serem recrutadas por marabus, autoridades religiosas, para poderem aprender o islamismo nas Daaras. Os marabus passam a ser responsáveis pela moradia, alimentação e cuidados dessas crianças. Há diferentes tipos de Daaras. Os meninos acolhidos pelo projeto de Edmilson vieram daquelas em que os marabus exploram as crianças. Elas vivem em situação de extrema pobreza e são obrigadas a mendigar por comida e dinheiro. Há casos também de agressões físicas e psicológicas por desobediência ou por não conseguirem a quantia de dinheiro exigida. Projeto Chemin du Futur, no Senegal, acolhe crianças e adolescentes Arquivo pessoal/Edmilson Neto Vale ressaltar que não são todas Daaras que praticam esses atos. Alguns marabus, inclusive, posicionam-se contra esses atos. Segundo a Human Rights Watch, há cerca de 100 mil meninos Talibés, sendo 30 mil na capital Dakar. Segundo a ONU, os meninos estão na faixa etária de 5 a 18 anos. Senegal é um país da África Ocidental com cerca de 18 milhões de habitantes. De acordo com relatório de desenvolvimento humano da ONU, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país é de 0,530, considerado baixo. Para efeito de comparação, o IDH do Brasil é 0,786, considerado alto. Veja mais sobre o Vale do Paraíba e região bragantina